Nascido em Lisboa em 1939, António Torrado é poeta, dramaturgo, autor de obras de pedagogia e um grande contador de histórias, estando muitos dos seus livros e contos traduzidos em várias línguas. Foi jornalista, editor, professor, produtor principal e chefe do Departamento de Programas Infantis da RTP.
A sua produção literária para crianças foi contemplada, em 1988, com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para crianças e incluídos, em 1974 e1996, na Lista de Honra do IBBY_ International Board for Young People.
Uma das maiores figuras da nossa literatura do pós-25 de Abril, António Torrado conhece como ninguém o imaginário das crianças, deliciando-as com belíssimas histórias.
António Torrado, à semelhança de outros escritores, também escreveu uma mensagem de incentivo à leitura das crianças:
Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente fechado. Irremediavelmente fechado.
Nunca ninguém o abriria nem sequer para ler as primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro tinha para oferecer.
Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha, enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros.
Ali estava. Ali ficou.
Um dia, mais não podendo, queixou-se:
-Ninguém me leu. Ninguém me liga.
Ao lado, um colega disse:
-Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros como tu.
-É o teu caso? - perguntou, ansiosamente, o livro que nunca tinha sido aberto.
-Por sinal, não – esclareceu o colega, um respeitável calhamaço. – Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou um livro de estudo.
-Quem me dera essa sorte – disse o outro livro ao lado, a entrar na conversa.
-Por mim só me passaram os olhos, página sim, página não… Mas, enfim, já prestei para alguma coisa.
-Eu também – falou, perto deles, um livrinho estreito. – Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha um pé mais curto.
-Isso não é trabalho para livro – estranhou o calhamaço.
-À falta de outro… - conformou-se o livro estreitinho.
Escutando os seus companheiros de estante, o livro que nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos, tinham para contar, ao passo que ele…
Suspirou.
Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o foram buscar ao aperto da prateleira. As mãos pegaram nele e poisaram-no sobre uns joelhos.
-Tem bonecos esse livro? – perguntou a voz de uma menina, debruçada para o livro ainda por abrir.
-Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou ler-te – disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as mãos que escolheram o livro da estante.
Começou a folheá-lo e, enquanto lhe alisava as primeiras páginas, foi dizendo:
-Este livro tem uma história. Comprei-a no dia em que tu nasceste. Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial.
-Lê – exigiu a voz da menina.
E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o lessem, de ponta a ponta.
Às vezes, vale a pena esperar.
António TORRADO, Mensagem Nacional para o Dia Internacional do Livro Infantil.
Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, 2 de Abril de 1997
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