terça-feira, 22 de abril de 2008

A Poesia e o 25 de Abril




Muitos foram os poetas que cantaram Abril.
Antes e depois da Revolução dos Cravos muitos poetas portugueses escreveram sobre liberdade e esperança num país melhor: José Carlos Ary dos Santos;José Fanha; Manuel Alegre; Sérgio Godinho...





Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quiz
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Manuel Alegre


A Rapariga do País de Abril
Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.
E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.
Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
E eu procurava-te nas pontes da tristeza
cantava adivinhando-te cantava
quando o País de Abril se vestia de ti
e eu perguntava atónito quem eras.
Por ti cheguei ao longe aqui tão perto
e vi um chão puro: algarves de ternura.
Quando vieste tudo ficou certo
e achei achando-te o País de Abril.
Manuel Alegre



Abril de Abril
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
Manuel Alegre

Liberdade
Viemos com o peso do passado e da semente
esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente
e a sede de uma espera só se ataca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela caladas
ó se pode querer tudo quanto não se teve nadas
ó se quer a vida cheia quem teve vida parada
só se quer a vida cheia quem teve vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
a paz o pão
habitação
saúde educação
só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir.
Sérgio Godinho


De Coração e Raça
"Sou português de coração e raça
Não há talvez maior fortuna e graça"
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser
donos do nosso trabalhar
em vez de andar para alugar
com escritos na camisa
e o dinheiro que desliza
do salário para a despesa
compro cama vendo mesa
deito contas à pobreza
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser
donos do nosso produzir
em vez de ter que partir
com escritos numa mala
e a idade que resvala
do nascimento para a morte
vou para o leste perco o norte
e o meu corpo é passaporte
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
Sérgio Godinho

Sem comentários: